Thursday, March 12, 2009


ORDEM E CAOS


Perante a nova produção de Andreas Stöcklein ressalta um grande contraste entre uma forte estruturação geométrica e o informal, o seu oposto, este patente em manchas espontâneas, podendo ganhar nalguns casos, o valor de signos ou de linhas curvas dotadas de movimento próprio.

Em todas as suas obras em azulejo, estamos perante um sentido de ordem, afirmada antes de mais pela malha geométrica dos quadrados que, estrutura o espaço planificado do suporte azulejar. Porém, Stöcklein desafia essa primeira geometria topológica com outras geometrias mais complexas e em "trompe l'oeil" que, sabemos derivarem da sua pesquisa do cubo em quatro dimensões. Mas mesmo quando essa pesquisa matemática é menos perceptível, estamos sempre perante uma visão de um espaço complexo e ilusionístico, cheio de contradições internas que, se define através de planos que se interpenetram, cortando-se entre si em perspectivas opostas, partindo em direcções distintas. Para tal, Stöcklein recorre a painéis de azulejo com silhuetas recortadas que, definem direcções distintas, com muita clareza e, um evidente dinamismo tridimensional, comandado precisamente por esse recorte exterior. Sem este, os planos não ganhariam a amplitude que atingem, quando tomam forma e uma dada inclinação, precisamente na periferia exterior de cada painel.


A cor parece comandada por um sentido funcional, na medida em que é usada para sublinhar eixos verticais e inclinações em diagonal, frequentemente a marcar com clareza o início e o fim de cada plano. Assim, esta cor parece comandada por uma função racional, embora seja equilibrada depois pelo valor mais afectivo e humano de uma renda ou de silhuetas de mãos, estas que conhecemos bem desde as pinturas murais no paleolítico superior, aí seguramente com um sentido mágico. Porém, nos painéis de Andreas Stöcklein estas mãos impressas parecem resultar de uma outra necessidade, aqui de comunicação humana com carácter sensível e emocional, num claro contraponto com a rigidez geométrica e abstracta, traduzida nas suas preocupações matemáticas ou, mais simplesmente, por perspectivas "cavaleiras" que ele faz e desfaz nestas suas obras recentes. Curiosamente, esta atitude estética tem algo a ver com o cubismo analítico, no qual foi identicamente procurada uma quarta dimensão do tempo e, no qual as texturas ganharam também um papel interventor muito grande. Não estou com esta comparação a afirmar que Andreas Stöcklein retomou o cubismo histórico mas, a dizer que ele se apresenta aqui como um artista dessa mesma "família estética". Aliás, a sua pesquisa é coerente e pessoal e, para tal, muito contribui o grande contraste que ele retira da oposição bipolar entre a dureza destas geometrias contraditórias e ilusionísticas e a grande fluidez dos valores informais, ligados de algum modo ao caos primordial.


Na minha opinião é precisamente aí que assenta a novidade do seu trabalho criador, aspecto reforçado precisamente por se tratar de suportes fortemente marcados pela malha quadrangular do azulejo que, o observador nunca pode ignorar. E muito também pelas silhuetas recortadas dos painéis, tirando partido de uma das virtualidades criativas do azulejo ao longo da história desta arte autónoma, logo no século XVI em cimalhas de painéis existentes no Palácio Nacional de Sintra, para depois ganharem uma amplitude muito maior no nosso barroco setecentista, em muitos painéis recortados também em cimalhas ou então nas chamadas "figuras de convite". Porém, no caso de Stöcklein esse recorte dos painéis é feito de forma moderna e bem actual, por quem conhece por dentro as possibilidades criadoras do azulejo contemporâneo. Aliás, é esse um dos méritos destas suas obras recentes no domínio estrito do azulejo.


Por último, nos desenhos de Andreas Stöcklein aprecio sobretudo aqueles, também ilusionísticos, nos quais ele se serve identicamente de geometrias complexas, para desafiar e destruturar a perspectiva centrada que desenhou com rigor em interiores de um espaço arquitectónico em ruinas. Tal situação dá lugar a algum sentimento de vertigem na destruturação dos nossos hábitos visuais comuns e algum desconforto perante um espaço mutante em direcção a um outro do inconsciente labiríntico.

Março de 2009

Eduardo Nery



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